quinta-feira, 24 de julho de 2014

Deixa a chuva cair


E lá estava ela... No lugar onde menos poderia imaginar e de onde, hoje, não consigo me lembrar... Uma coisa é certa: era a entrada de algum lugar. Poderiam ser os portões cinzentos e sujos de uma faculdade, mas o lugar tinha mais cor. Poderia ser a entrada de um cinema, mas como o encontro foi por acaso, não poderíamos nos encontrar, os dois, sozinhos ali. Poderia ser a entrada de um estádio de futebol, muito provavelmente o Maracanã, num dia chuvoso. Sim. Maracanã. A imagem da memória acaba se autoconstruir (ou seria reconstruir?) na minha mente inquieta que teima em registrar poeticamente aquele momento.
Olhares surpresos... Um não sabia o que o outro estava fazendo ali, havia um certo espanto no ar. Um ar de mistério, como o olhar de esfinge que me desafia cotidianamente. Duas peles brancas, quase pálidas diante do sol que se escondia por trás das nuvens cinzentas de uma chuva que só chovia ao redor, mas não chovia em nós. Talvez estivéssemos sob a proteção de uma marquise, ou nem mesmo estivesse chovendo.
O ar de mistério continuava a se propagar, cada vez mais próximo daqueles olhos de jabuticaba verde (se é que existe jabuticaba verde) que vinham ao meu encontro. Poucas palavras foram ditas e essas poucas só queriam expressar o espanto naquele (re)encontro ali, naquele lugar tão insuspeitado. Não fazia muito tempo que os dois viriam se encontrar perto dali, numa comunhão do destino, num acaso planejado, numa coincidência prevista.
Mas o que viria em seguida era tão imprevisto quanto os olhares que se fitavam, inquietos, naquele frisson de mistério. Como era bom desbravar o desconhecido. Do nada, tudo ao redor parecia ter sumido: as pessoas, a chuva, o vento, o frio. Agora eram apenas os dois, nós dois. Quem somos nós? Quem éramos nós? O que somos nós? Por que estamos aqui? Estamos aqui?
Diante de tantas dúvidas, não parecia haver outra saída, senão concretizar aquilo que era inevitável. Do amor ao ódio, do ódio ao amor. Do amor ao amor. De um primeiro encontro a um derradeiro que poderia querer apagar o passado e despertar algo novo.
Foi então que, naquele ar de conquista, de mistério, insensatez, loucura, medo, apreensão e amor, tudo (ou nada) aconteceu: o encontro dos olhos fomentou e incendiou o encontro das bocas, que gentilmente se tocaram com a voracidade insana de dois leões que se atracam por um pedaço de carne. Os cabelos negros e esvoaçantes da mulher, emaranhados no pescoço do homem, envoltos nos perfumes opostos, que se perdiam no olor dos corpos em profusão. Em chamas.
Logo os braços começaram a se mover, como garras que se agarram com força, mas que ao mesmo tempo sabem acariciar com maciez e doçura. Uma doçura apimentada pelo ódio que os separava, mas que agora os unia pelo beijo. Nós, ali. Os braços que antes seguravam a cabeça, escorriam pelas costas frias, como os pingos de chuva que agora caíam sobre os corpos em chamas. Porém água alguma poderia apagar aquele fogo.
Demorados, intensos, inesquecíveis momentos. Uma vida em minutos, uma vida de amor e ódio naquele beijo maniqueísta, doce, naqueles lábios vermelhos como o sangue, num rosto pálido e frio como a neve. Doçura, tentação... Mordidas, carícias, olhares, pegadas, sentimentos puros e absurdos. Quando as bocas se separaram, se desuniram, o magnetismo inverteu seus pólos, o ódio se tornou amor. A raiva se tornou paixão. E aquele sonho acabou. Teria outro começado? Ela nunca existiu.

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