segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Lua azul

Somente uma lua azul para iluminar
Um dia profundo e cansado da lida
Ah, as estrelas circundam o luar
Numa noite tão serena e exaurida

Só mesmo a inspiração duradoura
Para resgatar a semente fecunda
Que consola a tez branca e loura
Da pobre e triste vagabunda

Lua de ricos, pobres e indigentes
De astronautas, físicos e leigos
Tantas imagens de tantas lentes
Tantos poemas simples e meigos

Lua azul, reflete a cor dos oceanos
Transfigura o manto dos anjos em véu
Lua azul, uma esfera envolta nos panos
Aquarelas de jasmim reluzentes no céu.


Dorme, velho!


Recostado em sua poltrona de conforto
O velho fez das almofadas sua retaguarda
E no cochilo, com o pensamento torto
O ranzinzo acabou abaixando a guarda

Deixou cair seu livro de romance fajuto
Rasgou seu jornal de notícias antigas
Apagou a última centelha do charuto 
Amargou suas lembranças inimigas 

Quicou a cabeça num cochilo suave
Dedilhou seu violão nesses intervalos
Ergueu com sonolência sua clave 
Seus sonhos estavam ainda mais ralos

Beliscou o último salgadinho do pacote
Enrolou seus bigodes, resquício de imponência
Mas tudo acabou num boicote:
Seus olhos sucumbiram à sonolência...

domingo, 7 de outubro de 2012

O ser humano


Quando vêm o revés e o rebuliço
As galinhas fogem do galinheiro
Os corvos tomam chá de sumiço
As vacas inauguram o puteiro

Os ratos abandonam o barco
Os gatos defecam na areia
Os abutres fincam o marco
Sobre a praia da velha sereia

Os covardes são como ratos
Desistem de encarar o desafio
Fogem pelos telhados como gatos
São cadelas correndo no cio

As vacas mugem na fazenda das personalidades
A traição das galinhas já é normal
Os corvos e os abutres cometem maldades
Será o ser humano um bicho racional?

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A caça às bruxas


A caça às bruxas está a todo vapor
Numa sociedade em vil transformação
O veneno da ingenuidade é o motor
Que corrompe a máquina da eleição

As placas sorriem em cada esquina
A ficha está mais limpa que pau de galinheiro
O trabalhador já enfrenta a sua sina:
Mais quatro anos de desvio de dinheiro

O homem é lobisomem do próprio homem
A virtude se cala em cada caixa dois
Depois de eleitos, os amigos do povo somem
O voto foi traído, ganhamos chifres como os bois

A política brasileira parece não ter remédio
Salvam-se poucos homens honestos e bons
Daqui a quatro anos saímos de novo do tédio
Tudo recomeça nas próximas eleições.

Na passagem


Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer choro nem lamentação.
Quero festa, salgadinhos e sobremesa
E minhas amadas levando meu caixão.

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer que disfarcem minha velhice
Cobrindo minhas rugas num salão de beleza.
Quero deixar as marcas de minha rabugice!

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer o preto da dor.
Quero um ambiente de extrema pureza:
Alegre, saudosista, cheio de cor.

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer filhos falando sobre testamento,
Pois terei deixado minha maior riqueza
Nas memórias e no meu conhecimento.

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer mulher desesperada,
Nem mesmo ares de dor e tristeza:
Quero muita luz e muita risada!

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer terno de cerimônia.
Quero que se lembrem com destreza
Do velho romântico e sem-vergonha.

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer falsidade nem inimigos.
Quero deixar o mundo com a certeza
Que deixei também um bando de amigos!

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Quero que minha amada chore sobre mim!
Pois viver um único dia sem sua beleza
Teria sido uma dor sem fim.

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer flores em ramalhete.
E quem tiver me tratado com aspereza,
Que lhe mandem para a casa do cacete!

Quando meu corpo estiver sobre a mesa,
Não vou querer nada além de alegria.
Desprezo o fausto, o luxo e a riqueza:
Só quero ouvir o som das palmas e de minha poesia!